Introdução
Quando se fala em gestão, as primeiras palavras que aparecem são produtividade, eficiência, eficácia, processos, liderança e muitas outras.
Diante da alta competitividade, há quase que uma fixação por produtividade e por resultados a qualquer custo. Todavia, devemos levar em consideração que a produtividade e a alta performance não podem ser confundidas com perfeição absoluta, onde não há espaço para falhas e para a realidade intrinsecamente humana, habitada por imperfeições e por fragilidades próprias de quem não é deus.
A pandemia do Coronavírus, da qual as consequências estão lançadas no mundo, serviu para nos alertar sobre quão vulneráveis nós somos. Um vírus conseguiu colocar no chão nações poderosas e fechar as fronteiras da poderosa globalização.
O reconhecimento da nossa vulnerabilidade e o cultivo da espiritualidade podem ser alternativas para nos ajudar a superar o ativismo, a cultivar o autoconhecimento e a autoconsciência em vista do crescimento pessoal.
1. Vulnerabilidade como expressão autêntica de quem somos e como oportunidade de crescimento
É difícil para o Ser Humano assumir a própria condição de ser vulnerável. Somos constantemente motivados a demonstrar que somos inquebráveis. Escondemos o que temos de mais imperfeito, que é nossa essência, e vendemos uma imagem não tão real de nós mesmos. Demonstrar nossa vulnerabilidade muitas vezes é sinônimo de fracasso e de abrir espaço para sermos dominados.
Ao nascermos e sairmos do aconchego e da proteção das nossas mães, já nos tornamos totalmente vulneráveis. Brené Brown, no seu livro “A coragem de ser imperfeito”, reforça a ideia de que o problema central é assimilar, acolher e aceitar nossa própria vulnerabilidade e não termos vergonha de ousarmos ser quem somos.
Vulnerabilidade não é sinônimo de fraqueza, mas, de transparência e de honestidade conosco e com os outros. A aceitação da vulnerabilidade é um ato libertador, já que nos impulsiona a sermos autênticos e nos faz economizar muita energia. Gastamos muita energia para manter as aparências vestindo as máscaras de super-heróis.
Na medida em que não acolhemos a nossa condição limitada de pessoas que são suscetíveis ao erro, vamos sendo engolidos por um perfeccionismo que Brown chama de "compulsivo, crônico e debilitante" que gerará cada vez mais ansiedade e depressão por não conseguirmos atingir as expectativas que nos são impostas.
Parece contraditório, mas, acolher a nossa própria vulnerabilidade nos faz mais fortes, já que nos possibilita a abertura ao crescimento e ao desenvolvimento pessoal. Fechamos toda a perspectiva de crescimento em qualquer área da vida quando nos enxergamos como pessoas muito fortes, indestrutíveis e perfeitas.
Brown reforça ainda que “se quisermos ser livres do perfeccionismo, precisamos fazer a longa travessia do ‘o que as pessoas vão pensar?’ para o ‘Eu sou o bastante’”.
O “Eu sou o bastante” não indica individualismo e “eu me basto”, significa que o único responsável por assumir minha vulnerabilidade sou eu. No entanto, a vulnerabilidade reconhecida como intrínseca do ser humano, por si só, reflete a necessidade do encontro com o outro, que na sua própria vulnerabilidade, apoia e enriquece a minha frágil existência.
Reconhecer nossa natureza imperfeita nos faz ir ao encontro do outro imperfeito que nos complementa na nossa imperfeição e, ao mesmo tempo, se apoia em nós e nos garante sustento na nossa vulnerável condição.
Uma pergunta surge: como mergulhar no mais íntimo do nosso ser para acolher e aceitar nossas vulnerabilidades se quase não temos tempo nem para respirar num tempo em que a produtividade e a alta performance são quase que impostas?
2. A espiritualidade como fonte do autoconhecimento e da aceitação da própria vulnerabilidade
Não é novidade o tema da visão sistêmica das organizações. Nem mesmo é novidade a visão sistêmica do ser humano. Na sua existência, a pessoa não é fragmentada. Ao contrário, é um todo interligado sistematicamente de modo que sua vida inteira é interdependente de tudo o que existe em sua volta. Tudo se volta para o pensamento complexo que abrange o todo da pessoa, convergindo no mundo de possibilidades que a envolvem na sua existência.
As organizações, por sua vez, devem ser compreendidas de maneira holística, onde cada engrenagem toca para frente e impulsiona a missão assumida. Não podemos deixar de lado o fato de que as organizações não funcionam por si mesmas, mas, são movidas por pessoas, que por sua vez, movem criativamente novas dinâmicas de produção e de serviços. Por isso, cada vez mais, o tema da espiritualidade entra na pauta da gestão de pessoas.
A espiritualidade diz respeito ao que há de mais íntimo no Ser Humano, isto é, a sua interioridade. É onde está seu tesouro mais precioso. É o encontro com Deus e a experiência do transcendente na própria existência. É o cultivo da intimidade através do silêncio, da oração, da meditação e da interiorização. Do ponto de vista da neurociência, é no lobo frontal que a espiritualidade se situa biologicamente. É o que os cientistas chamam de “ponto Deus” ou de “mente mística” (Cf. Zohar, 2012), onde acontece a vibração dos neurônios localizados nessa região do cérebro.
Muitas vezes, na rotina das organizações, apaga-se um incêndio por minuto e o tempo parece ser muito menor do que o necessário. Todavia, quanto mais tempo tivermos, mais tarefas vamos assumir e, de novo, menos tempo teremos.
O conceito de espiritualidade, por sua vez, não pode ser confundido com o que se chama de Mindfulness, conceito muito difundido no mundo dos negócios, que pode ser traduzido como atenção plena. Ambos se complementam, mas, não são sinônimos. Segundo Puntel e Adam (2021), “pode-se encontrar na espiritualidade humana um espaço de resiliência, de enfrentamento, de autoconhecimento e de sentido; e no Mindfulness, uma significativa redução da ansiedade, do estresse e uma maior clareza para o entendimento de suas emoções, pensamento e comportamentos”.
O cultivo da espiritualidade fortalece a introspecção necessária para o autoconhecimento. Ele só é possível num longo e, às vezes, doloroso mergulho nas profundezas da própria existência. O autoconhecimento exige a capacidade de silenciar o coração dos barulhos exteriores para escutar toda a vida que pulsa dentro de nós.
Na medida em que fazemos o exercício de silenciar o coração para o cultivo pessoal, vamos nos abrindo para quem somos de verdade e vai surgindo a autoconsciência da nossa vulnerabilidade, o que nos possibilitará a autenticidade necessária para o verdadeiro crescimento.
3. Considerações finais
A aceitação da nossa condição de vulneráveis nos liberta do peso de sermos perfeitos e nos possibilita a arte de nos transcender de nós mesmos e irmos muito mais além do que imaginamos.
O bem-estar, o autocuidado e a espiritualidade, na dinâmica do cultivo pessoal, são fundamentais, inclusive, para melhorar a produtividade e fomentar processos criativos. Não são, portanto, empecilhos para quem deseja crescer profissionalmente. Sobrecarga e excesso de trabalho não são sinônimos de dedicação. Por mais trabalho que tenhamos, é preciso dedicar tempo para nós mesmos, de modo que nos respeitemos o suficiente para sermos respeitados.
Já pensou em começar a cultivar sua espiritualidade?
Referências
Brown, Brené. A arte de ser imperfeito: como aceitar a própria vulnerabilidade, vencer a vergonha e ousar ser quem você é. Rio de Janeiro: Sextante, 2016.
PUNTEL, Clairton; Júlio Cézar Adam. Mindfulness e Espiritualidade como estratégica de enfrentamento em situações de crise. Revista Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 61, n. 1, p. 239-255, jan./jun. 2021.
ZOHAR, Danah; MARSHALL, Ian. QS: Inteligência Espiritual. São Paulo: Viva Livros, 2016.