Inculturar como?

 

O Quadro Referencial da Pastoral Juvenil nos convida a habitar a cultura do jovem e para isso é necessário conhecer a realidade social, cultural e econômica na qual os jovens estão concretamente experimentando sua existência. Sejam eles territórios físicos ou virtuais. Deste modo o processo de Inculturação exige uma leitura atenta da realidade e de modo especial é preciso fazê-lo com os olhos de Dom Bosco.

Em cada tempo próprio no qual se vive a experiência da missão e no território em que ela se dá, é preciso ter atenção aos sinais visíveis e em muitas situações mensuráveis, que ajudam a compreender o contexto no qual crianças, adolescentes, jovens e suas famílias se desenvolvem. Neste momento de pandemia, por exemplo, é imperioso que nos perguntemos como nossos jovens estão atravessando tudo isso? Em que medida foram impactados? Como podemos nos colocar ao lado deles? Quais os impactos na vida, sobretudo dos mais pobres?

De acordo com a UNICEF Brasil (2019), em 2019 uma em cada três crianças menores de 5 anos não estava recebendo a nutrição necessária para crescer bem. Portanto, problemas em relação à manutenção de uma alimentação saudável que garanta o desenvolvimento adequado de crianças não é um problema decorrente da pandemia da COVID-19 – entretanto, pode ter sido agravada por ela. Essa é a perspectiva adotada pela iniciativa da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Neste contexto de crise econômica, sanitária e sociopolítica, a pobreza que tende ase aprofundar trará consequências agudas aos 40 milhões de trabalhadoras e trabalhadores que atuam sem carteira assinada, na informalidade, e aos 12milhões de desempregados em todo o nosso país. A violência da fome, que permanece na sociedade brasileira pela descontinuidade das políticas públicas para o seu enfrentamento, impactará diretamente os trabalhadores precarizados e os desempregados pela falta de dinheiro para comprar comida. A desnutrição ou insegurança alimentar será agravada pela carência de renda, mas também pelo modelo agrícola dos monocultivos vigente na sociedade brasileira. (PELLANDA,2020, p. 3).

O levantamento que trata dos impactos primários e secundários da COVID-19 em crianças e adolescentes, publicado em agosto de 2020, entrevistou 1.516 pessoas estabelecendo limites, portanto, para uma leitura totalizadora das regiões do Brasil. Mesmo assim, seus resultados articulados à realidade noticiada pela mídia, e à vivência profissional da autora, permitem afirmar que as inclinações iniciais de leitura da realidade fazem bastante sentido. O relatório produzido demonstra um importante impacto sobre a ocupação e a renda das famílias e adolescentes. Houve uma redução de 64% para 50% em relação à ocupação dos jovens, e uma redução de 63% na renda das famílias com crianças entre 0 e 17 anos (UNICEFBRASIL, IBOPE INTELIGÊNCIA, 2020).

A redução da renda e/ou a desocupação nesse período da pandemia também trouxe consequências em relação aos hábitos alimentares. Ainda segundo a mesma pesquisa, 49% dos entrevistados declararam ter mudado hábitos alimentares durante a pandemia, com a percepção de aumento no consumo de produtos industrializados. Além disso, um em cada cinco entrevistados informou ter passado algum momento em que não tinham como comprar alimentos quando estes acabaram.

A Organização das Nações Unidades para Alimentação e Agricultura (FAO) estima que a pandemia pode provocar o aumento no número de pessoas que enfrentam a insegurança alimentar, passando, no ano de 2019, de 135 milhões de pessoas nessa situação, para 265 milhões até o final do ano de 2020 (ONU, 2020). De acordo com o monitoramento realizado pelo Programa Alimentar Mundial (WFP), mais de 369 milhões de crianças não estão recebendo alimentação escolar em todo o mundo, em decorrência do fechamento das escolas adotado por 197 países –a Índia é o país mais afetado, com 90,4 milhões de crianças sem alimentação, seguida do Brasil com 40,1 milhões (WFP, 2020).

No Brasil, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) conta com 30% dos recursos do FNDE, e, no decurso de 2020, muitos municípios e estados utilizaram esse recurso para disponibilizar às famílias kits com lanches ou cestas básicas (BRASIL, 2021). Via de regra, essas são entregas que contemplam itens industrializados que favorecem a logística de distribuição, entretanto, não oferece condições de manutenção de uma alimentação saudável e equilibrada.

Problemas que decorrem da insegurança alimentar e nutricional e que precisam ser enfrentados:

■    Subnutrição, desnutrição crônica e desnutrição aguda:

1.    Baixo crescimento, infecção e morte.

2.    Baixo desenvolvimento cognitivo, falta de atenção escolar e desempenho escolar fraco.

3.    Baixo potencial de ganho financeiro na vida adulta.

 

■    Fome oculta – deficiência de micronutrientes –quando o excesso encobre a escassez:

1.    Baixo desenvolvimento.

2.    Imunidade fraca e fraco desenvolvimento dos tecidos.

3.    Saúde precária e risco de morte.

 

As consequências deletérias da insegurança alimentar e nutricional nos levam a refletir sobre a alimentação saudável enquanto direito humano, na perspectivada soberania alimentar e da segurança alimentar. Portanto, “Combate à fome não é filantropia. [...] Alimentação adequada é direito.” (BALESTRO, CUERVO, 2020,p. 12).

Sabemos que alimentos bons são os in natura, entretanto, mesmo no empenho de assegurar o direito à alimentação, muitas das ofertas de kit lanche e cesta básica são compostos por alimentos processados ou, o que é ainda pior, ultraprocessados.

Considerando os riscos à saúde produzidos pelo novo coronavírus, não assegurar o direito à alimentação adequada começa por impor às crianças e adolescentes maior chance de desenvolvimento da doença, expondo-os a um nível maior de risco de morte.

Uma criança mal alimentada, ainda que livre de doenças infecciosas, guarda um tempo de atraso em relação às crianças bem nutridas quando o tema é o desenvolvimento cognitivo – o que traz sérios comprometimentos à vida escolar dessas crianças e, posteriormente, desses adolescentes. Apesar de muito importante, essa informação nem sempre é considerada no desenho das políticas educacionais e no enfrentamento cotidiano da distorção idade-série e abandono escolar.

É imperioso, portanto, problematizar a violência da fome e sua forma mais aguda assumida no momento de pandemia em que vivemos, pois essa é condição essencial para que o ser humano possa se desenvolver.

A ISJB, desde o início da pandemia, atenta aos desafios postos, tem atuado junto às famílias e comunidade local para o enfrentamento e redução dos impactos causados pela pandemia. Seja em articulação com os equipamentos sociossistenciais dos territórios para atendimento e orientação às famílias, ou incidindo nos espaços de controle e construção de políticas públicas, captando projetos e mobilizando recursos para o desenvolvimento de ações emergenciais de enfrentamento à fome e de sócio-educação de crianças e adolescentes e profissionalização dos jovens, a ISJB tem respondido ao chamado de dar respostas efetivas à sociedade para a construção de uma sociedade menos injusta, mais fraterna.

Desde o início da pandemia, 27.697 famílias já foram atendidas pela ISJB no Brasil.7.730 cestas básicas e 3.021 kits de limpeza já foram entregues. Nossas ações solidárias encontram força na solidariedade do povo brasileiro. Contamos com a parceria de diversos grupos e movimentos sociais, parceiros locais, pessoas físicas e empresas que confiam na transparência e seriedade da Ação Social da ISJB. Parcerias como as da Rede Salesiana Brasil de Ação Social, por meio do Programa Emergencial Contra a Fome e da Fondazione di Religione Don Bosco Nel Mondo, por meio do Projeto Juntos contra a COVID-19 tem sido fundamentais.

Cientes de que nossa atuação precisa ir para além da promoção de ações emergenciais, outra importante questão a qual devemos dedicar um olhar atento é a realidade da violência doméstica. A manchete do portal G1, de 10/09/2020, informava que as denúncias de violência doméstica contra crianças e adolescentes haviam caído 12% no Brasil, durante a pandemia (VIEIRA, PINHONI, MATARAZZO, 2020,s.p.). Essa manchete chama à atenção, sobretudo, porque não era essa a expectativa dos especialistas que atuam no enfrentamento à violência doméstica .Por isso, é importante analisar de modo mais atento, a queda das denúncias e o que ela representa de fato.

De acordo com Luiza Teixeira, especialista de proteção da criança e do adolescente no Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef),“a pandemia é um momento sem precedentes, que acabou colocando diversas crianças e adolescentes em um confinamento social junto com os seus abusadores”. (MACHADO, CUNHA, 2020, s.p.).

Ainda segundo Luiza, os dados de 2018 coletados pelo Disque Direitos Humanos (Disque100) apontam que mais da metade dos casos de violência contra a criança tem como agressor alguém do meio familiar, e que cerca de 40% das ocorrências acontecem na própria casa da vítima. Luiza Teixeira também afirma que esses jovens têm o vínculo rompido com seus cuidadores da rede de proteção, dificultando a realização das denúncias.

Nesse sentido, as medidas de prevenção à COVID-19, que incluem o distanciamento social, podem servir de agravo para a situação de violência doméstica contra crianças e adolescentes, que agora se veem confinadas com seus agressores e sem apoio externo para denunciarem ou para serem notadas como vítimas de agressões.

Em 2019as denúncias recebidas pelo Disque 100 aumentaram 15% em relação a 2018. Do total de denúncias, 55% (equivalente a 86.837) eram de violência contra crianças e adolescentes, mantendo-se a casa da vítima como o lugar de maior frequência das ocorrências.

De acordo com Plattet all. (2021, p. 2)

a violência intrafamiliar é difícil de ser desvendada, por ocorrer na esfera privada, no ambiente doméstico, dentro das residências e ser resguardada pela lei do silêncio, pelo medo e pela impunidade de seus agentes - pessoas que deveriam apoiar e proteger crianças e adolescentes. Essa violência abrange cinco tipos: física, sexual, psicológica, negligência e formas específicas, que se expressam sob as formas de síndrome de Münchhausen, violência química e filicídio. Paradoxalmente, a casa, ambiente mais seguro para as pessoas estarem protegidas do contágio pelo novo coronavírus, enquanto não se tem vacina disponível, pode ser o local mais inseguro para muitas crianças e adolescentes. Emerge dessa situação a preocupação em relação a uma chaga lamentável e conhecida da nossa sociedade: a violência doméstica infanto juvenil - com frequência domiciliar e perpetrada por familiares.

O estudo realizado por Plattet all. tratou do caso específico das notificações do estado de Santa Catarina, onde ocorre um fenômeno semelhante ao noticiado pelo G1 em São Paulo, conforme mencionado anteriormente.

Com base nas notificações do SINAN de 136 municípios catarinenses que divulgaram os dados (do total de 295) do ano de 2020, observou-se queda progressiva do número total de notificações a partir do início do período da instituição do isolamento social, sendo os números absolutos nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril e maio, respectivamente, 469, 506, 434, 273 e169. Ao confrontarmos janeiro com abril, por exemplo, constatamos diminuição de 42% no número de notificações de violência infanto juvenil, cujo percentual é maior (64%), se compararmos o mês de janeiro ao de maio. (PLATT etall., 2021, p. 4). 

Embora seja bastante desejável, o declínio dos números que demonstram a ocorrência da violência doméstica e intrafamiliar contra crianças e adolescentes, não é possível crer que isso teria ocorrido de forma mágica em um contexto pandêmico. Sendo assim, não parece precipitado afirmar que estamos diante de um processo de subnotificações, onde o distanciamento social produziu uma cortina de fumaça que tem encoberto a ocorrência desse tipo de violência.

Se observarmos um outro tipo de violência doméstica, a praticada contra mulheres, teremos mais um indicativo da assertiva que estamos fazendo no parágrafo anterior.

Um levantamento inédito sobre a violência doméstica entre os meses de março e abril deste ano, durante a pandemia do novo coronavírus, apontou que os casos de feminicídio no País aumentaram em 5% em relação a igual período de 2019. Somente nos dois meses, 195 mulheres foram assassinadas, enquanto em março e abril de 2019 foram 186 mortes. Entre os 20 estados brasileiros que liberaram dados das secretarias de segurança pública, nove registraram juntos um aumento de 54%, outros nove tiveram queda de 34%, e dois mantiveram o mesmo índice. Nos 20 estados analisados, a média observada foi de 0,21 feminicídios por 100 mil mulheres. A taxa ficou acima da média em 11 estados, os quais detêm 40% da população feminina do total analisado e foram responsáveis por 59% das mortes (115 feminicídios). (REAL, et all, 2020, s.p.). 

Apesar do atual contexto da pandemia – o qual cria distintas dificuldades para a realização das denúncias – temos o registro do aumento da violência contra a mulher. Considerando isso, não é difícil compreender que muito mais desafiador é para uma criança e/ou adolescente dar esse passo (denunciar), posto que se encontra com pouco ou nenhum suporte, sem nenhum processo de escuta externa que permita romper o bloqueio, sendo este muitas vezes imposto pelo sigiloso familiar.

A escola sempre ocupou um papel fundamental para dar visibilidade a esse tipo de violência, pois a criança e o adolescente passam parte significativa do seu tempo nesse espaço e estabelece relações de confiança e afeto. Também desempenham importante papel os equipamentos de assistência social, sobretudo os que ofertam o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos Familiares e Comunitários, e os diversos projetos sociais.

O problema é que diante da adoção do distanciamento social como estratégia para prevenir o avanço do contágio da COVID-19, esses espaços – embora com funcionamento de outra ordem (remota) – deixaram de oferecer ocasiões de convivência onde os educadores podiam interagir e observar as crianças e adolescentes, muitas vezes identificando a violência pela escuta, ou por uma observação mais atenta e qualificada.

Compreender o papel nesses espaços de convivência (escola, serviços socioassistenciais e projetos sociais) é essencial para uma leitura mais adequada dos dados que informam sobre a redução do número de denúncias de violência doméstica no decurso do ano de 2020.

A ISJB também vem respondendo a essa realidade. Se antes da pandemia, a família já era fonte de nosso olhar e ações educativas como forma de prevenção de situações de risco social, após a pandemia, com a impossibilidade da assistência-presença, foi preciso intensificar ainda mais o acompanhamento e se aproximar das realidades familiares de nossos atendidos.

Intensificamos o diálogo com a rede de atendimento e serviços para realização de estudos de casos e encaminhamento das demandas (algumas fortemente evidenciadas pela nova realidade posta); atualizamos nossos diagnósticos; repensamos e realinhamos nossa prática a fim de não ficarmos alheios às situações diversas enfrentadas por nossas famílias.

Por fim, embora nossos esforços, de modo algum, esgotem os impactos da pandemia sobre as famílias empobrecidas, é imperioso tratar da dificuldade de acesso à escola em tempos de pandemia e para isso precisaremos destacar alguns fatores relacionados ao processo de universalização do acesso à educação formal, além das necessárias discussões sobre a qualidade da educação e as desigualdades educacionais estruturais.

Em 2010,o Brasil havia alcançado a universalização do acesso à educação formal, com a inserção na escola de 97,6% das crianças e adolescentes em idade obrigatória –mas, ainda tínhamos um grande desafio para assegurar educação de qualidade na rede pública (MONROE, 2011, s.p.). Pensar a qualidade como desafio não quer dizer que estejamos assumindo como premissa que a ampliação do acesso seja responsável pela perda de qualidade. O que estamos afirmando é que, apesar dos avanços, ainda convivemos com graves problemas educacionais. Segundo o sítio da organização Todos pela Educação,

“A cada 10 brasileiros, três não conseguem resolver operações básicas que envolvam, por exemplo, o total de uma compra, o cálculo do troco ou valor de prestações sem juros quando vão ao supermercado. Para essas pessoas, muitas tarefas do cotidiano são grandes desafios, dificultando a cidadania crítica e uma vida com autonomia.

Infelizmente, essa não é uma notícia nova. Pela quarta vez consecutiva, o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf) mostrou que cerca de 30% dos brasileiros entre15 e 64 anos são analfabetos funcionais. Realizada pela ONG Ação Educativa e o Instituto Paulo Montenegro, com contribuição da Rede Conhecimento Social e parceria com o Ibope Inteligência, a edição de 2018 registra, ao todo, nove anos de estagnação no combate ao analfabetismo funcional brasileiro”. (TODOSPELA EDUCAÇÃO, 2018, s.p.).

Outro fator que não devemos perder de vista é a desigualdade educacional estrutural no Brasil, onde coexistem a escola pública em crise e a escola particular: a primeira, em especial aquela voltada à educação básica, à disposição dos despossuídos que não tem a opção de pagar pela educação (cabe aqui tratar como exceção a escola técnica federal); a segunda, a serviço de uma minoria em situação de privilégio social e/ou econômico.

É nesse cenário de desigualdades educacionais estruturais, com percentual significativo de distorção idade-série e analfabetismo funcional, que crianças e adolescentes passaram a experimentar o ensino remoto desde o mês de março de 2020, como alternativa ao ensino presencial a partir do fechamento das escolas (medida de distanciamento social adotada como prevenção a COVID-19).

Javier Gonzáles é diretor do Laboratório de Pesquisa e Inovação em Educação para América Latina e Caribe (SUMMA) e responsável por produzir em parceria com a UNESCO o Relatório de Monitoramento Global da Educação 2020. Segundo o referido relatório,

os sistemas educacionais da região não se caracterizam apenas pela baixa qualidade, mas também por altos níveis de desigualdade e exclusão social. Este problema foi agravado pela pandemia. Por isso, devemos investir e reformar com urgência os nossos sistemas educacionais para desenvolver a sua capacidade de adaptação às necessidades particulares dos seus estudantes e territórios, reconhecendo, valorizando e construindo a diversidade como elemento essencial e constitutivo da qualidade educacional (UNESCO,2020, s.p.).

O ensino remoto como alternativa imediata impõe às famílias empobrecidas desafios muitas vezes insuperáveis, se consideradas as necessidades básicas para um bom desempenho nessa modalidade. Em um país onde 16,3% não têm acesso à água potável, de acordo com dados oficiais do Governo Federal (BRASIL, 2020), como pensar que a internet, por exemplo, é acessível a todos? Como presumir que todas as crianças e adolescentes terão espaço minimamente adequado para estudar em casa? Supor que terão conhecimento suficiente sobre os recursos tecnológicos para acessá-los de modo autônomo?

De acordo com uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Educação a Distância, durante a pandemia 67% dos alunos tem dificuldades para organizar os estudos online(OKUMURA, 2020).

São vários os relatos de estudantes sem equipamentos ou conexão com a internet, famílias em situação econômica cada vez mais frágil e professores com crescentes dificuldades em manter os alunos engajados nas aulas remotas. Como resultado dessa combinação cresce o temor de que as circunstâncias impostas pela pandemia façam com que mais estudantes desistam da escola neste ano, engordando as estatísticas de evasão escolar no Brasil.

De acordo com o sítio Trajetória de Sucesso Escolar, em 2018 a taxa de abandono no Brasil era de 3,2%, o que significa 912 mil crianças e adolescentes em situação de abandono. Este número que pode ser ainda maior se forem considerados os dados de infrequência escolar, que precisam ser analisados em articulação com as reprovações e o alto índice de distorção idade-série – em 2018 esse índice era de 27,9% nos anos finais do ensino fundamental (UNICEF BRASIL, 2018, s.p.).

A Nota Técnica n.70elaborada pelo IPEA em julho/2020, objetivando discutir a infraestrutura sanitária e tecnológica das escolas e a retomada das aulas em tempos de COVID-19, também não traz dados animadores demonstrando de modo consolidado a precariedade das escolas também no retorno presencial, em especial as públicas. 

As desigualdades, que já são traço tão marcante de nosso sistema educacional, serão ainda mais aprofundadas por essa paralisia. É possível elencar de antemão alguns dos maiores perdedores desse processo: alunos com menor acesso à internet e a dispositivos, aqueles cujos responsáveis têm menor escolaridade e/ou menor disponibilidade para acompanhar as atividades de ensino remotas(entre os quais, os chamados trabalhadores da “linha de frente” de combate à pandemia), estudantes mais jovens e com menor autonomia. (KUBOTA, 2020, p. 7).

Mesmo quando as crianças e os adolescentes estão presentes fisicamente nas instalações das escolas, estas em muitos momentos mantêm-se distantes por não conseguirem realizar uma boa leitura de território, não estarem abertas à diversidade, não terem uma postura mais inclusiva, além de não contarem com uma infraestrutura adequada. Mediante esta realidade e o atual contexto pandêmico, a escola precisará se reinventar para superar esse novo estado de coisa.

Também é verdade que, graças ao empenho de muitos profissionais da educação e gestores, se tornou mais perceptível para os alunos e suas famílias o empenho da escola em ir ao encontro deles, o que nem sempre era sentido/percebido/experimentado quando todos compartilhavam um espaço comum.

As situações vividas por famílias, crianças/adolescentes e escolas foram as mais diversas possíveis. Ao que parece, aprofundaram os desafios, mas também produziram reflexões, fizeram repensar processos, retiraram de um lugar estabelecido, produziram inquietações e oportunizaram pensar o papel da escola e dessa imensa provocação. Logo, podem emergir bons resultados, a despeito de todo o sentimento de caos e das significativas desigualdades.

A importância da escola na vida de crianças e adolescentes entrou na pauta de modo ampliado, destacaram-se não somente as suas competências na abordagem de conteúdos e na formação cognitiva e intelectual dos alunos, mas também suas funções enquanto espaço de convivência e de relações.

 

Referências
 
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