Quando, diante de algumas situações, emerge o tema dos “direitos humanos”, percebe-se uma reação da sociedade – mesmo de pessoas boas e bem-intencionadas – de certa contrariedade. O senso comum é de que se está protegendo quem praticou coisas ruins, após terem violado direitos de outros.
Esse sentimento que permeia a sociedade não é por acaso; ocorre que sempre que há situações de mortes e graves violências em cadeias e penitenciárias, a mídia procura, para comentar e tratar do assunto, pessoas ligadas à defesa dos direitos humanos. É nesse contexto que empobrecemos os direitos fundamentais da pessoa humana, associando-os aos que se encontram cumprindo penas.
Para o bem da sociedade e para uma justa compreensão da importância de garantir o que se convencionou tratar como direitos humanos ou direitos fundamentais da pessoa humana, cabe lembrar tudo o que está compreendido dentro do que de fato se quer assegurar: direito à vida, proteção à família, direito à propriedade, proteção no trabalho, cuidados com a saúde, direito à moradia, direito à ampla defesa nas questões que envolvem a justiça, proteção da infância e do idoso, direito à educação de qualidade, liberdade de expressão e liberdade religiosa, entre tantas outras situações.
Quando tratamos esta ampla relação de direitos a serem protegidos, cuidados e assegurados, ninguém questiona, pois temos o entendimento de que são fundamentais para uma vida em condições dignas.
Universais, indivisíveis e inalienáveis
O que ocorre é que, ao falarmos da proteção do trabalhador para que não seja explorado como mão de obra barata ou – pior ainda –escrava, para que tenha a justa remuneração, para que não seja descuidada a preservação da sua saúde, usamos como expressão “direitos trabalhistas”.
Igualmente, tratamos como “direito à moradia” o que se refere à defesa da propriedade particular e de não ser violada a privacidade do lar, bem como à oportunidade de ter a casa própria como um bem a ser adquirido e preservado. Também quando o tema é saúde, garantias referentes ao pactuado nos convênios médicos, dignidade assegurada nos hospitais e um tratamento adequado e com os melhores recursos disponibilizados àqueles que estão enfermos, há unanimidade em cuidar do “direito à saúde”.
Em cada uma das questões mencionadas, não se está falando de outra coisa senão dos direitos humanos. O fato de mencionar a especificidade do que se quer proteger e assegurar – trabalho, saúde, moradia etc. – não deixa de inseri-los como direitos fundamentais que devem ser garantidos. Acolher como possível a violação ou o desrespeito a qualquer um dos direitos acima mencionados significa que podemos ser tolerantes porque um ou outro direito não está sendo devidamente respeitado. Isso não pode acontecer, e é por essa razão que se diz que os direitos humanos são universais (valem para todos e em todos os lugares), indivisíveis (é necessário acolhê-los no seu todo e não apenas um ou outro) e inalienáveis ou indisponíveis (não se pode abrir mão deles).
Direitos de todos
Cabe destacar que, quando falamos da pessoa humana, trazemos para dentro dessa proteção que foi preocupação dos países que compõem a Organização das Nações Unidas (ONU) todas as pessoas, independente de raça, cor, sexo, religião, nacionalidade, diferenças culturais e do lugar onde possam se encontrar.
A ONU sentiu a necessidade de definir os direitos humanos após atrocidades cometidas no contexto da Segunda Guerra Mundial. Isto significa que a guerra não pode justificar que seres humanos deixem de ser tratados como tal, independente de estarem livres ou serem prisioneiros. Essa regra vale também para os que estão cumprindo penas em presídios por terem cometido algum crime. Devem ser responsabilizados pelo mal que causaram e pagar com o cumprimento da sentença que lhes foi imposta, mas isso não permite que sejam tratados como se não fossem humanos.
A evolução que precisamos ter para viver em sociedade e os valores cristãos que abraçamos como religião e como princípios de fé têm nos levado a perceber que devemos cuidar também dos animais e da natureza, nossa casa comum. Como pensar, então, que podemos ignorar o cuidado e o respeito para com qualquer pessoa humana, independente do lugar onde está? Vale sempre lembrar que “justiça” não é vingança.
Refletirmos sobre esse tema dentro de um espaço como o Boletim Salesiano reforça o compromisso de Dom Bosco, que, vivendo sempre muito além do seu tempo e quando ainda não se falava de direitos humanos, teve como preocupação assegurar tudo o que era importante para que seus adolescentes e jovens – educados do Oratório de Valdocco – se desenvolvessem como “bons cristãos e honestos cidadãos”. Ser cristãos autênticos, em tempos de Papa Francisco, nos impõe sairmos das amarras do preconceito para amar e caminhar em direção ao nosso próximo, pelo simples fato de que somos todos iguais diante de Deus, que “faz nascer o sol sobre bons e maus e cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5, 45-46).
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Padre Agnaldo Soares Lima, SDB, é assessor da Rede Salesiana Brasil de Ação Social (RSB-Social).