
A Anunciação do Anjo Gabriel a Maria (cf. Lc 1,26-38) é um dos momentos mais importantes da história da salvação. Ali, Deus convida um jovem de Nazaré para participar do mistério da Encarnação, solicitando seu consentimento para que o Verbo se fizesse carne.
O “sim” de Maria não foi apenas uma resposta pessoal, mas um ato de entrega que mudou o destino da humanidade. Com sua disponibilidade, ela se tornou a nova Eva, aquela que, com sua obediência, desatou o nó do pecado original e abriu caminho para a redenção.
Deus entra na história
O Evangelho de Lucas nos apresenta esse encontro de forma singela e, ao mesmo tempo, grandioso: um anjo aparece a Maria, prometida em casamento a José, e anuncia que ela será a Mãe do Salvador. Esse detalhe é essencial, pois mostra que a promessa feita a Davi foi cumprida naquele instante:
“Quando teus dias se completarem e relacionados com teus pais, então suscitarei tua descendência depois de ti, aquele que sairá de tuas entranhas, e estabelecerei o seu reino” (2Sm 7,12).
Maria não foi escolhida por acaso. Desde toda a eternidade, Deus a preparou para essa missão. São João Paulo II explica isso com profundidade:
“A plenitude do tempo manifesta-se no momento da Anunciação, quando Maria dá o seu consentimento ao mistério da Encarnação” (Redemptoris Mater, 8).
Naquele instante, o próprio Deus se inclina sobre a humanidade e pede a colaboração de uma criatura para realizar o plano da salvação.
“Alegra-te, cheia de graça”
As primeiras palavras do anjo revelam algo essencial sobre Maria:
“Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo” (Lc 1,28).
O termo grego kecharitoméne, traduzido como "cheia de graça", indica um estado permanente. Maria não recebeu uma graça momentânea, mas foi agraciada desde sempre. Esse é um dos fundamentos do dogma da Imaculada Conceição: Maria foi preservada do pecado original para ser digna morada do Filho de Deus.
O Papa Bento XVI explica essa saudação de forma belíssima:
“O anjo não a chama pelo nome terreno, 'Maria', mas por este novo nome: 'cheia de graça'. Isso indica que ela é amada por Deus de um modo único e foi desde sempre escolhida para ser a Mãe do Redentor” (Ângelus, 2009).
Desde a sua concepção, Maria foi envolvida pelo amor de Deus e preparada para ser a nova Arca da Aliança, o lugar onde Deus habitaria de forma plena e real.
O Medo e a confiança: o fiat de Maria
Diante da grandeza do anúncio, Maria não respondeu de imediato. Ela ficou inquieta e questionou:
“Como se fará isso, pois não conheço homem?” (Lc 1,34).
Essa pergunta não nasce de dúvida, mas do desejo sincero de compreender a vontade de Deus. Maria não se fecha no medo, mas busca discernir como aquilo se realizaria.
Diferente de Zacarias, que questionou o anjo com incredulidade (cf. Lc 1,18), Maria se coloca com confiança diante do mistério. Como destaca o Papa Francisco:
“Maria não pede uma explicação detalhada. Ela apenas pergunta o 'como', porque deseja discernir o caminho que Deus quer para ela. Isso mostra que sua fé não é passiva, mas ativa e disponível” (Ângelus, 2013).
Quando o anjo lhe explica que tudo aconteceu pela ação do Espírito Santo, Maria se entrega completamente ao plano divino e pronuncia o fiat que ecoa por toda a eternidade:
“Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38).
Nesse momento, Maria assume sua missão com coragem. Seu "sim" é um ato de liberdade e confiança total em Deus.
São Bernardo de Claraval descreveu essa cena com palavras emocionantes:
“O céu aguarda tua resposta, ó Virgem. O próprio Rei do universo deseja por seu consentimento. Apressa-te, ó Senhora! Pois o mundo inteiro está esperando sua resposta” (Homilia sobre a Anunciação).
A Nova Eva e a redenção da humanidade
Desde os primeiros séculos, os Padres da Igreja enxergaram em Maria a contraparte de Eva. Santo Irineu de Lyon expressa isso de maneira sublime:
"O nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria" (Adversus Haereses, III, 22,4).
Se Eva, ao ouvir a serpente, duvidou e desobedeceu, Maria, ao ouvir o anjo, creu e obedeceu. Dessa forma, ela se tornou Mãe dos viventes no plano da graça, assim como Eva foi no plano natural.
O Concílio Vaticano II reforça essa visão:
"A Bem-Aventurada Virgem, predestinada para ser a Mãe de Deus desde a eternidade, foi na terra a nobre Mãe do Divino Redentor e, de um modo singular, a generosa companheira na sua obra" (Lumen Gentium, 61).
Maria não é uma figura passiva na salvação. Seu sim permitiu que Cristo viesse ao mundo, inaugurando uma nova criação.
O chamado de Maria para nós
A Anunciação não é apenas um evento do passado, mas um convite para cada um de nós. Deus também nos chama, como chamou Maria.
· Quantas vezes sentimos medo diante dos planos de Deus?
· Quantas vezes temos dificuldades para confiar na sua vontade?
· Como respondemos aos chamados que Ele nos faz?
Maria nos ensina a abrir o coração e confiar na ação do Espírito Santo, mesmo quando não compreendemos tudo. O Papa São João Paulo II nos lembra:
“Maria foi a primeira a acolher Jesus. Que ela nos ensine a recebê-lo, a amá-lo e a levá-lo aos outros” (Ângelus, 1998).
Maria, porta da salvação
A Anunciação é o início do mistério da salvação. No instante em que Maria pronunciou seu decreto, a humanidade começou a ser restaurada. Seu exemplo nos ensina que Deus age por meio daqueles que definem n'Ele.
Que podemos aprender com Maria a dizer “sim” a Deus todos os dias e permitir que Cristo também nasça em nós e, através de nós, no mundo.
Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós!
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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CONCÍLIO VATICANO II. Lumen Gentium: Constituição Dogmática sobre a Igreja. Disponível em: https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19641121_lumen-gentium_po.html . Acesso em: 3 mar. 2025.
JOÃO PAULO II. Redemptoris Mater: Carta Encíclica sobre a Bem-Aventurada Virgem Maria na Vida da Igreja. 1987. Disponível em: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25031987_redemptoris-mater.html . Acesso em: 3 mar. 2025.
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JOÃO PAULO II. Ângelus do dia 20 de dezembro de 1998. Disponível em: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/angelus/1998/documents/hf_jp-ii_ang_19981220.html . Acesso em: 3 mar. 2025.
IRINEU DE LYON. Contra as Heresias (Adversus Haereses). In: COLEÇÃO PATRÍSTICA. São Paulo: Paulus, 1995.
BERNARDO DE CLARAVAL. Homilia sobre a Anunciação. In: Sermões e Homilias. Trad. Frei João Alves. São Paulo: Edições Loyola, 2003.