Este ano sentimos mais verdadeiras do que nunca as palavras de Isaías: «O povo que caminhava nas trevas viu uma grande luz; sobre aqueles que habitavam na escuridão uma luz brilhou».
Caros amigos, neste tempo há mais luz nas nossas cidades. Estrelas e vitrinas anunciam a chegada da festa de Natal. Na grande quantidade de Pais Natal, renas e bonecos de neve, raramente aparece alguma imagem de Jesus Menino, ainda que seja Ele o rei da festa.
Como recordava Bento XVI, «A glória de Deus não se manifesta no triunfo e no poder de um rei, não resplandece numa cidade famosa, num palácio sumptuoso, mas estabelece morada no seio de uma virgem, revela-se na pobreza de um menino. A omnipotência de Deus, mesmo na nossa vida, atua com a força muitas vezes silenciosa da verdade e do amor.
A fé diz-nos, então, que a força indefesa daquele Menino vence finalmente as vozes das potências do mundo. E na noite do mundo, deixemo-nos surpreender e iluminar de novo por este ato totalmente inesperado de Deus: Deus faz-se Menino. Deixemo-nos surpreender e iluminar pela Estrela que inundou o universo de alegria. Que Jesus Menino, quando vier a nós, não nos encontre impreparados, ocupados só a embelezar a realidade exterior».
A maior parte de nós vive com emoção e nostalgia a preparação do Natal com os seus ritos e as suas festas. Algumas pessoas poderiam não estar em condições de sentir no seu coração o que significa este maravilhoso Mistério da presença de Deus que é Amor. Muitos outros fazem-no. Mas, em todo o caso, é sempre um belo momento de humanidade, de graça, de desejo de paz, de esperança.
Não podemos esquecer que estamos mesmo a viver “uma noite do mundo”. Vivemos na noite, vivemos num tempo de dor, de desespero, de guerra, de morte.
Não podemos ignorar a guerra que alastra na Ucrânia.
Não esqueçamos os milhares e milhares de vidas truncadas pelo pecado da guerra e da morte que ela semeia por toda a parte.
Não ignoramos que milhares e milhares de pessoas que foram dispersas na Ucrânia e que centenas de milhares de outras vivem em condições sub-humanas em clandestinidade, sem luz e calor e com pouca alimentação. Além da Ucrânia, há no mundo outros 29 focos de guerra e de guerrilha com os mesmos efeitos de morte e desolação.
Todos os anos, nalgumas nações da América Latina, são mortas mais de 35.000 pessoas.
O número de pobres na Europa (aqueles que pensavam estar a salvo de tudo) mais que duplicou em relação a dois ou três anos antes.
Não conseguimos travar a fome no mundo, que até aumentou.
As catástrofes de incêndios e inundações, consequência das alterações climáticas num planeta doente, ameaçam-nos cada vez com mais frequência.
Na última cimeira sobre o clima as nações que mais poluem nem sequer estiveram presentes, como se o problema não dissesse respeito também a elas.
Não se pode definir esta uma “noite da humanidade”? O Papa Francisco declarou: «Este ano a nossa oração tornou-se um doloroso apelo, porque hoje a paz foi gravemente violada, agredida e espezinhada, e isto na Europa, precisamente no mesmo continente que no século passado sofreu os horrores de duas guerras mundiais. E agora estamos a viver uma Terceira guerra mundial».
A manifestação da vontade de Deus em Jesus Cristo e o seu amor pelos homens tiraram-nos de uma situação do género. Deus salvou-nos, como diz a carta a Tito. Libertou-nos das cadeias que nos tinham amarrados. Pôs fim às nossas dilacerações e aos nossos transvios e colocou-nos de novo no reto caminho. Libertou-nos da obsessão do ódio. Quando a sua humanidade se manifestou em Cristo, esta verdadeira imagem do homem mudou alguma coisa também em nós. Pôs-nos em contacto com a imagem original que Deus se havia feito de nós e fez brilhar com uma nova beleza a imagem original.
O Papa Francisco voltou muitas vezes neste período a falar de esperança, exortando-nos a ver a nossa existência com olhos novos, sobretudo agora que estamos a atravessar uma dura prova, e vê-la com os olhos de Jesus, “autor da esperança”, para nos ajudar a ultrapassar estes dias difíceis, com a certeza de que as trevas se transformarão em luz. A esperança é «uma virtude que nunca desilude: se tiveres esperança nunca ficarás desiludido», disse o Papa Francisco. É uma virtude que num poema do grande escritor católico francês Charles Peguy, surpreende até o próprio Deus, porque o autor lhe faz dizer: “A fé de que eu mais gosto, diz Deus, é a esperança. Aquilo que me surpreende… é a esperança”.
Onde podemos encontrar, descobrir, tocar com a mão os frutos da Incarnação, do Natal de há mais de 2.000 anos e da Vida que nos vem da Ressurreição do Senhor? Temos motivos de esperança ou a noite escura não nos permite encontrá-los?
O menino tem as mãos vazias, porque o dom de Deus, o dom supremo à humanidade, é Ele. Não um super-homem, mas um ser frágil, pequeno, indefeso como nós. Para nos dizer: partimos de novo disto, partimos de novo da ternura. Olhemo-nos nos olhos e redescubramos a vida idêntica que pulsa em nós. Aos olhos de um certo mundo pode parecer uma coisa ridícula, desprezível, descartável, mas nós sabemos que possuímos uma força que pode dissipar as trevas. Jesus é a luzinha que nos foi confiada.
Agora compete-nos a nós.
Um belo presente tem valor se o usares! Como com todos os presentes, há um modo de “reciclar” o presente de Deus: dando de novo a vida! E sem dúvida é assim: frente a tanta noite, há também tanta vida. A vida que Maria de Nazaré nos traz no seu filho recém-nascido e a vida de tantos meninos que as suas mães, com imenso amor, fazem nascer, em nome de Deus. A vida de tanta generosidade anónima de milhões de pessoas que todos os dias se voltam para o próximo, para os pobres, para os idosos sós. A vida é aquela que é dada por tantas pessoas anónimas que lutam silenciosamente contra tanta obscuridade e pessimismo. A vida, parece-me, é a que é semeada todos os dias em milhares e milhares de presenças salesianas no mundo, onde um gesto, um sorriso, um pedaço de pão ou um prato de arroz, um momento de encontro semeia luz e esperança. Tudo isto, creio eu, é fruto do Natal, da Incarnação do Filho de Deus, da Ressurreição e do Deus da Vida que tem sempre a última palavra.
A MENSAGEM DO REITOR-MOR, Pe. Ángel Fernández Artime